Entrevista com Dirk Netter

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“Relatos do Kratom” é uma série de entrevistas do KratomScience.com com pessoas que usam kratom para ajudar a lidar com a dor, depressão, ansiedade ou dependência de drogas. Entre em contato conosco no Twitter @kratomscience ou pelo e-mail do Brian ([email protected]) se você gostaria de contar a sua história.

Dirk Netter é o autor do primeiro grande livro em língua alemã sobre o kratom. Kratom – Ethnobotanik, Anwendung, Kultur (Português: Kratom – Etnobotânica, Aplicação e Cultura) será lançado em breve pela Nachtschatten Verlag (Nightshade Press), uma editora da Suíça.

Em 2018, Netter fundou a HIPF, ou Hochschulgruppe für interdisziplinäre psychedelische Forschung, traduzido para o português: Associação Estudantil de Pesquisa Psicodélica Interdisciplinar, na Universidade Philipps de Marburg, na Alemanha, onde ele estuda. A HIPF promove uma política de drogas sensata, o desmantelamento da propaganda e desinformação da proibição de drogas e a pesquisa sobre substâncias psicodélicas e outras plantas como o kratom.

KratomScience: Por favor, conte-nos sobre a sua história pessoal. Como é que isso te levou a interessar-se pelo kratom?

Dirk Netter: Toda a minha vida fui muito interessado em estados não-convencionais de consciência. Claro que não podia chamá-lo assim quando era criança.

Vivendo muito no campo, o meu outro grande interesse era por plantas e fungos, mas não liguei esses dois domínios até virar adolescente. Quando eu tinha 13 ou 14 anos, topei com dois etnobotânicos alemães chamados Christian Rätsch e Wolf-Dieter Storl (tenho certeza que alguns dos nerds etnobotânicos/psiconáuticos do seu público os conhecem).

Eles me apresentaram ao maravilhoso mundo das plantas psicoativas e como nossos ancestrais e os primeiros povos as usavam em sua cultura e rituais.

Vindo de uma família de leitores ávidos, eu fui à biblioteca local (e à internet) e li todos os livros que pude obter sobre esse assunto. Quando o YouTube se tornou um grande negócio por volta de 2006 (?), eu e meus amigos ficamos muito entusiasmados com as palestras de Terence McKenna e toda a turma de psiconautas. Tivemos algumas experiências com plantas e fungos, e essas experiências levaram a alguns insights muito profundos.

Impulsionado por essas experiências, decidi seguir carreira académica. Comecei a estudar sociologia, geografia e psicologia, porque pensei que isso me daria uma perspectiva científica suficiente para estudar o uso humano de substâncias psicoactivas.

Quando estava fazendo uma investigação preliminar para a minha tese de mestrado, descobri que não existe uma literatura alemã satisfatória sobre o kratom. É minha convicção que as pessoas precisam de literatura para avaliar o risco associado ao consumo de substâncias psicoactivas – e gostando ou não, as pessoas tomam essas coisas. Portanto, há a necessidade de lhes dar toda a informação imparcial que precisam para a redução de danos.

Então, comecei a fazer um esboço (que consistia principalmente em um índice de conteúdo). Naquele momento eu não tinha certeza de como publicá-lo, mas senti que estava fazendo o certo. Por uma coincidência muito feliz, conheci o meu editor (e agora amigo) Markus Berger (você deveria procurar os livros dele também!) da Swiss Nachtschatten Verlag (Nightshade Press).

Ele ficou interessado desde o primeiro instante e disse “vá em frente”. Faça-o agora mesmo”. Então eu fiz e creio que estamos satisfeitos com o resultado.

KS: Você começou um grupo chamado HIPF. A HIPF parece defender demandas semelhantes às da comunidade do kratom dos EUA: política de drogas baseada em evidências, reconhecimento de que a propaganda tem levado a atitudes e leis sobre drogas etc. Fale-nos mais sobre a HIPF – quando foi fundado o grupo, e quais são alguns dos seus objetivos políticos?

DN: HIPF é um acrônimo de Hochschulgruppe für interdisziplinäre psychedelische Forschung. Isso pode ser traduzido como “Associação Estudantil de Pesquisa Psicodélica Interdisciplinar”. Eu iniciei o grupo no ano passado, juntamente com dois colegas estudantes. Faz dois meses que somos também uma associação legalmente registrada. Temos uma equipe de 15 pessoas constantemente envolvidas – às vezes 30, dependendo de como você conta.

Nossos objetivos são, como você disse corretamente, encorajar os legisladores a revogar decisões baseadas em propaganda e substituí-las por medidas bem pensadas e baseadas em evidências. O público tem sido enganado pela propaganda da fracassada “guerra às drogas” – e eu acho que agora é hora de voltar aos fatos científicos. Todo especialista sabe que as últimas décadas de proibição significaram grandes prejuízos para a saúde pública e inflaram um mercado negro realmente grande em quase todas as partes do mundo. As drogas são muitas vezes a força motriz por trás de algumas das guerras mais feias da história – podemos acabar com isso com políticas inteligentes.

Como um grupo de estudantes, apoiamos a pesquisa psicodélica, conectamos jovens cientistas interessados e tentamos mudar a visão pública sobre essas substâncias. Nós sediamos nosso próprio curso científico semanal sobre substâncias psicodélicas e organizamos palestras para o público. O último, fizemos com o etno-botanista Christian Rätsch num grande auditório no campus. Havia cerca de 300-400 pessoas, então acreditamos que existe um grande interesse nesse assunto.

Além disso, também promovemos a cultura psicodélica. Temos sido co-apresentadores de festas psy-trance, exibição pública de filmes psicodélicos e temos mesas redondas sobre as experiências psicodélicas individuais.

KS: Conte-nos sobre o seu livro Kratom: Etnobotânica, Aplicação e Cultura… E você disse que a editora está interessada em uma tradução para o inglês?

DN: É o primeiro verdadeiro livro alemão sobre kratom. Eu foquei em todo o tema. Isso significa que você não precisa ler o livro inteiro se você só está interessado na colheita ou no uso mais seguro – embora seja escrito de uma maneira que você possa lê-lo quase como um romance.

Obviamente há um capítulo inteiro sobre a botânica do kratom. Ele te diz onde você pode encontrar, o que precisa para florescer, e te conta muito sobre as alternativas ao kratom. Principalmente sobre as outras Mitragynas, Combretum e assim por diante.

O próximo capítulo é sobre o cultivo interior do kratom e como obter sementes ou mudas.

Há um capítulo realmente grande sobre a história do kratom desde a descoberta do kratom pelos primeiros exploradores europeus até os dias de hoje. Eu usei alguns dos diários de Pieter Korthals (o descobridor do kratom), estive em contato com muitos museus e usei um monte de livros muito raros como material de apoio às minhas descobertas.

Nos capítulos seguintes, apresento muitas receitas, informações de uso mais seguro e a química dos alcaloides do kratom. Também há um capítulo sobre o uso medicinal de seus ingredientes.

O último capítulo é sobre a situação legal da kratom nos países de língua alemã (Alemanha, Áustria e Suíça), assim como nos outros países europeus.

Eu também cobri assuntos muito discutidos sobre kratom e direção, e como o kratom é detectado nos rastreios de drogas. O último ponto é muito difícil porque há discussões especialmente na /r/Kratom (página da rede social Reddit sobre o kratom, muito popular nos EUA) se é possível um falso positivo em exames de opiáceos por causa da kratom.

Tudo é respaldado por descobertas científicas. Sempre que possível, eu forneci todas as citações dos artigos científicos. A bibliografia é bastante grande e será um bom ponto de partida para cada pesquisador.

Assim que o livro estiver nas lojas (acho que a qualquer momento da próxima semana), vou lançar o site mitragyna-speciosa.de. Lá estará a bibliografia completa para download (para nerds) e todas as fotos em alta resolução, bem como muitos extras. Tudo completamente gratuito.

A minha editora está interessada em uma tradução em inglês. Infelizmente eu não tenho tempo (nem qualificação real) para fazer isso por conta própria. Portanto, se você é um tradutor profissional, sinta-se à vontade para entrar em contato com a minha editora. É o “Nachtschatten Verlag” suíço, você pode encontrá-los em nachtschatten.ch ou escrever para eles em [email protected].

Eu não tenho poder de decisão sobre isso, então tenha em mente que eu não posso ter a decisão final de quem pode fazer isso.

Mas eu realmente gostaria de uma tradução em inglês – a maior parte desse livro não é escrita especificamente para um público alemão.

Talvez lancemos a segunda edição em inglês. Já que 50% da primeira edição já está pré-encomendada, acho que haverá demanda de uma outra edição. Enquanto eu estava editando o livro, teve muita coisa que eu não pude acrescentar no livro, então a próxima edição será ainda mais detalhada e ampliada.

KS: O kratom é legal na Alemanha?

DN: Sim, por enquanto é completamente legal. Mas os vendedores não podem anunciá-lo como um produto com algum valor médico ou cosmético. Então, na maioria das vezes você vai obtê-lo como corante ou como incenso, com um rótulo que diz “não apto para consumo humano”.

Mas para ser honesto, eu temo que exista uma possibilidade de que eventualmente seja proibido. A Alemanha ainda não é tão liberal em comparação a outros países europeus como a Holanda ou Portugal.

Até agora, felizmente, não tivemos mortes ou acidentes em associação com o kratom que se tornaram amplamente públicos, assim que isso mudar haverá notícias ruins – o mesmo aconteceu com a Salvia divinorum há cerca de 10 anos atrás.

Felizmente há uma tentativa de fundar uma associação de kratom comparável à AKA (American Kratom Associaton). Alguns vendedores e consumidores de kratom querem regular as vendas do kratom e angariar fundos para desafiar a possível proibição. Se você também está interessado nesse assunto, então me avise. Estou envolvido no financiamento dessa associação, mas ainda estamos no início, e não há muito a dizer além do que você já sabe.

KS: Quantos alemães sabem sobre o kratom? Quantos alemães usam kratom? E onde é que os alemães normalmente adquirem kratom – em lojas ou online?

Até onde sei, não há números oficiais sobre quantas pessoas usam kratom. Mas recentemente notei um aumento significativo no número de vendedores de kratom e de publicações sobre o kratom nas redes sociais.

Se pegar o meu livro como um indicador, presumo que há três anos atrás nenhuma editora teria aceito o artigo porque o kratom era bem desconhecido – e agora vendemos metade da primeira edição só na pré-venda, mesmo antes do livro ter sido entregue nas livrarias.

A maioria dos alemães costuma comprar kratom online. Eu não acho que seja impossível comprar kratom num head shop, mas isso seria muito incomum. Enquanto na América do Norte muitas pessoas parecem comprá-lo em cápsulas pré-fabricadas – quase ninguém faz isso aqui. Algumas pessoas fazem suas próprias cápsulas, mas todo mundo está encomendando o pó triturado.

As embalagens de kratom encomendadas são muito discretas, por isso você não consegue distinguir uma encomenda de kratom da compra de um livro, por exemplo. Isso porque comprar kratom online seria, ao contrário do que acontece nos EUA, considerado uma droga perigosa e provavelmente você não ia querer que os seus vizinhos soubessem.

KS: Qual é a postura geral sobre drogas na Alemanha? A história da demonização das drogas nos EUA é uma influência sobre outros países do ocidente global?

A situação geral é que o consumo de qualquer substância é legal. O que significa que se pode ir ao hospital para tratar uma overdose sem ter o medo de ser preso.

Mas a posse, a transmissão e a venda de qualquer substância é punida. Normalmente as sentenças não são tão severas em comparação com outros países. A pena máxima para a venda de drogas em forma de quadrilha é de 15 anos. Se você só tem algo para sua necessidade pessoal, não pode ser superior a 5 anos.

A cannabis, por exemplo, é tratada de forma um pouco diferente. Dependendo do estado em que você vive, você não fica sujeito a nenhuma sentença (por exemplo, abaixo de 6 gramas no sul da Alemanha e até 15 gramas em Berlim). Mas tudo é tratado de forma muito arbitrária, por isso o melhor conselho é não ser pego.

Se falamos sobre a legalização da cannabis, especialmente as gerações mais jovens são provavelmente a favor da cannabis. Embora a cannabis medicinal seja legal desde 2011, há uma tentativa de legalizá-la para uso (recreativo). Acho que eventualmente será legal na Alemanha, é apenas uma questão de tempo, mas isso não vai acontecer nos próximos 4 anos.

Como você mencionou, os EUA estão desempenhando um grande papel na visão pública sobre drogas. Desde que alguns estados dos Estados Unidos legalizaram a cannabis, ela é vista de forma muito diferente mesmo entre alguns políticos conservadores.

KS: Eu notei no Twitter que você está plantando kratom. Como estão as suas plantas? Você acha que é possível cultivar kratom em climas mais frios em estufas? Já ouvimos falar de plantas sendo cultivadas com sucesso na Costa Rica e em partes mais quentes do mundo perto da linha do equador, mas até agora não no norte.

DN: Sim, você viu bem, estou cultivando plantas de kratom. Como mencionei antes, sou um grande amante de plantas e não pude resistir cultivar essa gema etnobotânica legal e poderosa.

Acho que é possível cultivá-lo em climas mais frios. Mas você precisaria aquecer a sua estufa. As plantas definitivamente não sobreviverão a temperaturas abaixo de 5-10°C. E certamente você vai precisar de luz artificial (como LED). Eu vivo no centro da Alemanha e não temos dias muito longos no inverno. Em dezembro temos 8 horas de luz solar, em junho temos 16. Então o verão é perfeitamente bom para o cultivo da kratom, mas no inverno você certamente tem que “fazer os dias mais longos” para as plantas. Esse problema aumenta à medida que se vai mais para o norte.

Mas eu conheço algumas pessoas na parte norte da Alemanha que cultivam seu próprio kratom. Funciona muito bem para elas. Logicamente, a questão importante é o quanto você consome. Você pode podar as suas árvores regularmente, o que fará as árvores muito mais arbustivas. Assim, a sua colheita será melhor.

Mas voltando à sua pergunta. Acho que funciona muito bem cultivá-lo na Costa Rica. O que você precisa são as temperaturas certas durante todo o ano. Mas você não tem necessariamente que ir tão longe como a Costa Rica. Mesmo na Flórida o clima é suficiente para cultivar kratom. Já vi lá algumas árvores de kratom bastante grandes.

Tem havido alguns rumores sobre a proibição do kratom na Indonésia. Tenho certeza que você ouviu falar disso. Acho que se isso acontecer (duvido um pouco), então haverá muitos lugares alternativos como os mencionados acima. Mas também na África, Índia e América do Sul existem alguns lugares muito adequados para fazer plantações de kratom. Tudo dependendo da legislação dos países importadores de kratom do ocidente – só será rentável se os EUA e a Europa ainda estiverem importando kratom dentro de 10 anos.

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